Construído no século XIX, o Terreiro do Egito é uma das mais antigas casas de culto afro de São Luís, sendo referência litúrgico religiosa e de ancestralidade para pais e mães de santo que nasceram no chão daquele axé. As festas eram realizadas no fim do ano, para comemorar a chegada do navio encantado de Dom João. Acredita-se ainda que antes da abolição, a localidade era um quilombo e que ficava numa ponta de terra por trás do local onde foi construído o Porto do Itaqui, também chamado de Ponta do Quilombo do Egito. O terreiro foi extinto em 1970 devido ao falecimento da última mãe de santo, Mãe Pia, e hoje embora não tenha edificação é reconhecido como sagrado e frequentado por adeptos da religião. “O Egito está extinto como casa material, mas como casa espiritual continua vivo, enquanto tivermos um filho dessa Casa com o culto em expansão” (OLIVEIRA, 1989, p.34). Há controvérsias sobre a existência dessa casa, tendo em vista que não há edificação devido sua frágil construção, era “coberto e tapado de pindova, […] com os participantes alojados em abrigos de palha, construídos no local ano a ano.” (Ferreira, 1997, p.51) também não há referência documental que ateste seu funcionamento, contudo o escritor maranhense Dunshee de Abranches no livro “O Cativeiro” afirma que no século XIX havia quilombos nessa região conhecida como cajueiro, informação que dialoga com as falas dos defensores de sua existência. Atualmente a comunidade vem passando por problemas de reconhecimento e corre risco de ser desapropriada para a construção de um porto, diante dessa delicada situação, desde 2015 o espaço passa por intervenções do grupo de pesquisa GPMINA (Núcleo de Religião e Cultura Popular) e pelo GEDMMA (Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente) ambos vinculados à UFMA (Universidade Federal do Maranhão). O terreiro do Egito funcionou até o falecimento de Mãe Pia, sua última chefe. Pai Euclides da Casa Fanti-Ashanti, em seus escritos de memória e em entrevistas registradas em pesquisas alegou que essa Casa de culto era chamada de Ilê Nyame e que foi fundada em meados de 1860-70 por Basília Sofia, uma negra, cujo nome privado era Massinocô Alapong, vinda de Cumassi, Costa do Ouro, atual Gana. Ela teria chegado à São Luís em 1864 e falecido em 1911, “antes de abrir o seu terreiro, Basília Sofia (Massinokou) fora escrava e teria estado na Bahia. Após conquistar a liberdade veio para São Luís, onde teria inicialmente residido e dançado, por algum tempo no terreiro de Pai Cesar (já desaparecido)” (FERREIRA, 1997, p. 97). A partir de 1912, o Terreiro passou a ser chefiado por outra negra, chamada Maria Pia, que o liderou por cinquenta e cinco anos. Pai Jorge, do YlêAshéYemowa- Abê ou ‘Casa de Iemanjá’, narra que o Terreiro do Egito era Jeje-Nagô e Cambinda sendo responsável pelo surgimento de várias linhas de encantados no Tambor de Mina (Família de Marinheiros, Botos, Sereias, Bandeira, Gama, entre outras). Diz também que esse terreiro foi assentado por velhas africanas com os voduns: Lissá, Vó Missã, Navezuarina, Xapanã, Ewá e Toy Averequete, se configurando assim como memória viva de muitos outros que surgiram depois. O espaço onde ficava o terreiro é reconhecido como sagrado por adeptos da umbanda, candomblé, mina e terecô e permanece sob a sombra de pés de caju, na comunidade do Cajueiro que hoje luta contra a instalação de um porto privado pelas empresas WPR e WTorres. O Cajueiro é uma comunidade rural próximo à Vila Maranhão, onde residem tradicionalmente pescadores e agricultores que estão lá desde o tempo de seus ancestrais, diante disso os moradores almejam o seu Registro como território tradicional de descendentes de quilombolas e pais e filhos de santo do tambor de mina do Maranhão pleiteiam a transformação do território em espaço sagrado das tradições religiosas afro-maranhenses. Alguns moradores afirmam, assim como Pai Euclides e Pai Jorge, que inúmeros praticantes do Tambor de Mina da ilha de São Luís e de outras regiões frequentavam o Terreiro do Egito, um lugar onde poderiam realizar seus cultos em paz, uma vez que este ficava afastado da cidade, para onde se deslocavam principalmente de embarcações, dada a dificuldade de acesso por terra naquela época. A festa ocorria na virada de 12 para 13 de dezembro, quando os (as) encantados (as) apareciam e avisavam que o navio iria chegar, e ao som dos tambores e cânticos, avistava-se o Navio de D. João. Os registros apontam que Pai Euclides é da primeira geração dos descendentes do Terreiro do Egito e ficou responsável pela Casa Fanti-Ashanti até 2015 quando faleceu. Há, entretanto, outros da primeira geração que por sua vez foram constituindo seus próprios terreiros e criando novas gerações de mães e pais de santo.  Para citar alguns pais e mães de santo da primeira geração do Terreiro do Egito, temos Mãe Margarida Mota (Lira), Pai Jorge Itacy de Oliveira (Fé em Deus), Pai Manuel Curador (Pão de Açúcar), Pai Zacarias (Maioba), Memê (de Guimarães), Rafina (do Cajueiro), todos (as) já falecidos (as), mas que seus descendentes continuam a manter viva a religião e a memória destes. A luta em defesa pela preservação e reconhecimento como lugar sagrado do Terreiro do Egito é uma batalha que vem sendo travada há décadas, pelo povo de santo e pela comunidade, que defendem a ideia de que não querem sair do lugar onde nasceram, cresceram e se tornaram comunidade: são pescadores e pescadoras, lavradores e lavradoras, extrativistas, são povos tradicionais, remanescentes de quilombos. Atualmente a maioria dos moradores do Cajueiro pertence a diversas igrejas de vertentes neopentecostais, contudo, estão juntos para lutar pela preservação, como assegura Sergio Ferretti “alguns afirmam que frequentavam o Terreiro do Egito, que viram o navio encantado, que dançavam ou tocavam. Outros que iam para tocar e beber.” (FERRETTI. S, 2016, p.03)

Fonte/Bibliografia

ARTHUR, Márcio. O navio encantado de Dom João. Blog Encantaria do Maranhão. http://discmarcioarthurhotmailcom. blogspot.com.br 12/12/2012. Acesso em 25/04/2017.

FERREIRA, Euclides (Talabyan). Tambor de Mina em conserva. São Luís: Casa Fanti-Ashanti, 1997.

________. Itan de dois terreiros nagô. São Luís: Casa Fanti-Ashanti, 2008.

FERRETTI, Mundicarmo. Entrevista com Zé Lutrido. Guimarães, 12/11/1994.

________. Entrevista com Pai Euclides. São Luís: EDUFMA, GEDMMA/UFMA –– 10/10/2014

Relatório Sócio antropológico – RESEX de Tauá-Mirim. São Luís, 2014.

________. O terreiro do Egito e o navio encantado de Dom João In:

Boletim da Comissão Maranhense de Folclore. Número 59, p. 09-14, dezembro de 2015.

FERRETTI, Sergio. O Egito na memória da comunidade do cajueiro In:                   Boletim da Comissão Maranhense de Folclore. Número 60, p. 03-09, junho de 2016.

OLIVEIRA, Jorge Itaci de. Orixás e voduns em terreiros de Mina. São Luís: Ed. VCR Produções e Publicidades, 1989.

 

Pesquisador responsável: Reinilda Oliveira

Fotografia imagem: Acervo: Museu afrodigital do Maranhão